O lado oculto da saudade

A saudade é uma palavra genuinamente brasileira. Não existe tradução perfeita em qualquer outra língua. Pra falar a verdade, sou da opinião que "saudade" é uma tentativa de traduzir o indizível.
Hoje minhas perdas me (re)encontraram. Há muito, soterrei meus mortos num monte de ocupações, numa vida reconstruída (mais de uma vez), numa outra Andrea, uma que há bastante tempo não me visitava.
Há muito não chorava, há muito não sentia falta, há muito não sentia a presença. Fato é que deliberadamente resolvi fugir disso tudo, determinei que teria de seguir em frente e deixar tudo para trás... o amor, as lembranças, a dor... tudo, enfim, que pudesse me "devolver" o fardo da perda.
A saudade engloba tudo isso, tudo o que a gente ingenuamente acha que deixou para trás. Nada mudou, mas não está tudo do mesmo jeito. Tudo está mudado, mesmo estando igual. Como diz a música "mudaram as estações, nada mudou. Mas eu sei que alguma coisa aconteceu, está tudo assim tão diferente".
Sempre convivi com a perda. Ela parece ser algo recorrente na minha vida desde a infância. Sim, há muitos ganhos, mas minhas perdas são insubstituíveis. Todas elas carregaram um pedaço meu. Sinceramente, não sei como cheguei até aqui, como resisti, como sobrevivi. Não só isso, também não tenho a menor ideia de como não deixei a amargura e a ranhetice me alcançarem. Deve ser a fé... só pode ser. É a única explicação que eu tenho.
Mas hoje, meus mortos voltaram... Ouvindo "Tears in Heaven". Engraçado, também sempre fugi dessa música. Quando ela foi lançada, eu a ouvi pouquíssimas vezes. Eu sempre mudava de estação todas as vezes que ela tocava. Depois, soube que Eric Clapton a fez para o filho que ele perdeu tragicamente... mais um motivo para não ouvir, a música fala de perda... e de perdas, eu já estava bem cheia.
Sábado passado sonhei (ou recebi a visita) de um amigo muito querido, de quem não tive a chance da despedida. Sempre generoso, ele veio me dizer que estava bem. Sou muito agradecida pela visita, mas ela puxou o fio daquele saco tão bem costurado para nunca ser aberto, um em que eu guardava enterradas todas as minhas saudades. Hoje, "Tears in Heaven" terminou o serviço.
Houve um tempo em que achei que Deus não me queria com ele... nem o diabo. Dona Morte, em diversas ocasiões, levou aos que eu amo e me deixou aqui.
Não sei bem por que, mas, só de pirraça, resolvi fazer minha existência ser singular. Entretanto, devo confessar que Eric Clapton foi muito feliz na sua composição. Se de uma coisa eu sei bem é quando ele diz "Time can bring you down, time can bend your knees. Time can break your heart, have ou begging please, begging please". O tempo pode curar muita coisa, mas há feridas que não nasceram para serem curadas. A perda é uma delas.
A música segue e nos conta que a perda doída envolve amor. Só dói uma perda quando muito se amou. Ah, e isso eu tenho muito, muito orgulho em confessar, amei e amo demais cada um dos que perdi. Foi exatamente esse amor que me permitiu me reconstruir, que me trouxe a fé, que deu forças para refazer várias e várias vezes o meu caminho.
Eric Clapton escreve músicas para lidar com seus entremeios, eu escrevo textos longos e, muitas vezes, sem sentido.
O amor permanece sempre, o amor fica, o amor nos acompanha por todos os lugares, talvez por isso as pessoas sejam inesquecíveis, insubstituíveis. O amor nos dá força para seguir, porque dói muito seguir, a passagem do tempo é cruel... mas seguimos adiante, na esperança de termos uma vida digna de ser contada aos nossos eternos amores quando nos encontrarmos. Acho que aí é que entra o pedacinho da música "Beyond the door there's peace I'm sure. And I know there'll be no more tears in heaven".
Por mais doloroso que seja, por mais saudosa que eu esteja, eu jamais me arrependi de ter cada um dos meus entes amados em minha vida. E quantas vidas eu tiver, quero-os de volta em todas elas, mesmo que eu tenha de me despedir de cada um deles cedo demais.

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