Bairrismos interessantes...

Todo mundo fala, esbraveja, reclama do tal bairrismo, mas ontem vi o quanto o bairrismo é divertido.

Fui assistir à Mary Help, personagem de Cláudio Falcão, na peça Noite tipo feliz. Mary Help (ou Maria do Socorro, como a mãe insiste em chamá-la) é a típica adolescente de Brasília. Entre um vocábulo e outro, ela consegue socar o tipo. Ela é filha de Berenice, uma tentativa frustrada de emergente. Berenice é mineira e adora umas incursões em inglês em suas falas. Ambas contam com os préstimos da empregada (putz, esqueci o nome da empregada), cuja principal característica é trocar "j" pelo "r" (foneticamente) e seu absurdo neologismo (Guimarães Rosa deve dar voltas no túmulo!!!). A empregada solta pérolas: "ramo de rã" (vamos de vã), "sirirriço" (serviço), e por aí vai.

Início do bairrismo: o local da apresentação - Teatro (despencando) da Escola Classe da 308 Sul. Não entendeu nada??? Como, se eu disse praticamente o endereço completo??? Em Brasília todos entendem!!!

Bairrismo 2 (B2) - Compras de final de ano na Feira do Paraguai. Todo mundo faz compras na Feira do Paraguai, desde a socialite mais destacada (aqui temos várias) à babá da filha da empregada. Lá pelas tantas, Berenice solta: "o tempo q. perdi no engarrafamento, dava pra ir e voltar 10 vezes da Feira do Rolo". Bem, pelo nome, dá pra entender o que é a Feira do Rolo.

B3 - Ceia com pequi! Colocar pequi em tuuuuuuuuuuuuuudo o que tiver na ceia, do arroz à "farofa a ser tubada no toba do peru".

B4 - Tirar a uruca na cachoeira da Água Mineral.

B5 - Ir pra Salvador (essa foi numa outra peça de Mary Help). Todo brasiliense tem uma verdadeira tara em passar férias, carnaval, reveillon, feriado prolongado em Salvador. Bem, eu não sou o que se pode chamar de "brasiliense que se preze". Salvador não me atrai em nada! Entre Pirenópolis, Caldas Novas (outros roteiros dos brasilienses) e Salvador, fico com os primeiros. (Não vou dizer "sorry, soteropolitanos" porque eles tb não devem sentir a menor falta da turistita aqui).

Há inúmeras outras expressões bairristicas brasilienses. Uma das mais divertidas e que rendeu consulta popular foi a separação entre Sudoeste e Octogonal, do Cruzeiro. Cruzeiro é o típico bairro popular. Foi "fundado" não sei quando por cariocas. Em nada lembra a ostentação dos moradores da Octogonal (composta de 7 condomínios fechados e uma escola) e dos emergentes que habitam o Sudoeste.

A celeuma se deu quando estes descobriram que o tal "bairro" que deviam colocar em suas correspondências não era "Octogonal" ou "Sudoeste" e sim "Cruzeiro". Nossa dileta Câmara Legislativa resolveu pôr fim ao perrengue e consultou os reclamantes para darem um nome ao novo bairro. Até agora não houve qualquer mudança, continuamos "Cruzeiro".

Ah, o Cruzeiro é dividido em Novo e Velho; e o Sudoeste, em Sudoeste e Sudoeste Econômico (é C-L-A-R-O que o pessoal do Sudoeste Econômico, quando perguntados onde moram, dizem apenas "Sudoeste"). À boca-pequena dizem que o Sudoeste Econômico, na verdade, é o Cruzeiro Novíssimo, apenas um par de ruas separam um do outro. É interessante ver a expressão de ira dos moradores do Novíssimo...

Falando em "morar" nos primórdios de Brasília, fornecer o endereço era divulgar também onde se trabalhava e qual o escalão. Exemplo: "moro na 302 Sul" era o mesmo que dizer "sou alto funcionário do Banco do Brasil".

Brasília começou sem cultura, ou melhor, com a mistura de várias culturas. Hoje, os nascidos aqui fizeram Brasília ter a sua própria identidade. Lembramos um pouco de cada cidade e de nenhuma ao mesmo tempo. Músicas compostas por alguns que viveram aqui tem conotação diferente da do resto do país ("Faroeste Caboclo", p. ex.). Duvida??? Pegue a letra da música Dezesseis e veja se você decifra CASEB: "Quando marcou um super pega no fim de semana/Não vai ser no CASEB/Nem no Lago Norte, nem na UnB" (qualquer dúvida, consulte um brasiliense).

Confuso??? Q. nada!!! Eu sou uma mistura de Brasília com Minas Gerais (nascida aqui e criada por mineiros do interior). Na minha casa sempre há o tal cafezinho, o bolo de fubá, pão de queijo, etc. Qdo visito amigos, o cardápio muda!!! Como feijoada na casa de um, vatapá na de outro, arroz de carreteiro...

Ah, em tempo! Nosso bairrismo não se resume a piadas no estilo "Brasília só tem ladrão". Sim, temos ladrões, mas aos que vocês se referem são temporários por aqui. Vêm (graças aos votantes dos outros Estados), mas (graças a Deus!) voltam para suas cidades de origem.

Até a próxima!!!

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