Ainda sobre jornalistas...

Antes de mais nada, este post será bem grandinho.

Exite um poema do Carlos Drummond de Andrade do qual um pedacinho servir-me-á de mote para introduzir o assunto:

"Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, não há desespero, há calma e frescura na superfície inata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência, se obscuros. Calma se te provocam. Espera que cada um se realize e consuma com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave?"

Antes de iniciar o assunto, troque a palavra "poema" por "texto", "matéria" ou "artigo"

Pois bem, como disse em algum post, há jornalistas e jornalistas. Não falarei aqui daqueles profissionais que respeitam tanto a palavra, a forma de seus artigos, aliando-a a um conteúdo louvável. Infelizmente, farei menção àqueles fulaninhos que, sabe-se lá como, adquiriram um diploma, que poderia muito bem substituir o papel higiênico.

Após trabalhar algum tempo revisando textos de uma certa assessoria de imprensa, tive de conviver com flagrantes assassinatos à Língua Portuguesa. Numa ocasião, ao corrigir uma matéria muiiiiiiiiiiiiiiiiiiiita da mal escrita, fui obrigada a ouvir que, na linguagem jornalística, é proibido o uso da mesóclise (ex. dir-se-ia, sentar-me-ei, etc.). Estava ao telefone (pedi para que meu ouvinte esperasse, mas, infortunadamente, não tapei o bocal, meu pobre interlocutor teve de ouvir tamanho impropério). Quando escutei tamanha heresia, retruquei "Deve ser por isso que os jornalistas são burros". (Desnecessário dizer que fiquei sem a tréplica.).

Como burrice não vem só, há três dias, um outro jornalista me veio com uma frase para uma faixa (daquelas que são exibidas na rua). No afã de ajudá-lo, notei que faltava um "a" craseado na oração "Agradecemos ao fulano e ciclana pela instalação de x serviço", e expus minha observação ao Sr. Coisa. Não satisfeito com comentário ridículo de é uma licença poética ele afirmou que na tal linguagem jornalística não se usa crase. Dessa vez, faltaram-me as palavras, mas confesso: tive ganas de apresentar meu joelho à bolsa escrotal do indivíduo. Hoje, perguntaria ao Sr. Coisa, onde é que ele viu poesia numa frasesinha tão básica.

(Em tempo: Há um segundo modo de escrever a tal frase, mas, por motivos óbvios, não tive vontade de explicar.)

Tomando apenas o início e o final do poema, conclui-se ser pré-requisito para ostentar o título de jornalista invadir (se possível armado de amplos erros crassos) o reino das palavras. Assim sendo, a chave é dispensável (ora, se vão arrombar a Língua Portuguesa, pra que chave?).

Tal invasão se dá por um motivo que esses orgulhosos profissionais não admitem: eles não sabem usar a norma culta da Língua. E norma culta, ao contrário do que professam alguns ignorantes, não causa discriminação lingüística, ela serve sim para unir os falantes do idioma (no caso, da Língua Portuguesa).

Isso é facilmente verificado num país imenso como o Brasil, em que há vários dialetos (sim, nós também temos dialetos!!!). Utilizando-se o padrão culto, um jornal de circulação nacional será entendido tanto pelo gaúcho quanto pelo amazonense, ao passo que o uso exclusivo do dialeto sul grandense prejudicaria a compreensão do cidadão nortista. Por esse mesmo motivo, foi determinado que os atos governamentais fossem escritos no referido padrão.

Sempre fui da opinião de que admitir a ignorância em certos assuntos, faz com que se busque aprendê-lo. Mas o que fazer quando os tais "formadores de opinião" juram pelo que há de mais sagrado que SABEM a Língua Portuguesa (aí incluída a norma culta), mas insistem em exterminá-la? Se soubessem realmente, tentariam unir linguagem jornalísticas (e suas proibições absurdas) ao padrão culto e, certamente, usariam a crase obrigatória (há casos em que ela é facultativa). Não teríamos de ler diria-se, sentaria-me, fariam-se ou outros atentados do gênero. Não vou comentar o uso indevido da vírgula para não acanhar nossos nobres profissionais do ramo de prostituição lingüística (ops! nobres jornalistas).

Concordo que escrever usando-se o padrão culto não é tarefa fácil a priori. Construir um texto decente leva tempo (não é à toa que Graciliano Ramos, que também foi jornalista, guardava seus manuscritos por muito tempo, a fim de revisá-los constantemente até que saíssem perfeitos). Insistindo em escrever corretamente, por assim dizer, acabaria por se tornar um hábito e, conseqüentemente, as próximas matérias seriam menos sofríveis de se escrever (e ler!).

Entretanto, texto puramente formal não leva o leitor a lugar algum. Há a necessidade premente de conteúdo. Continuo sendo da tese de que vidência é requisito de cigana e não de jornalista, mas, para ser um bom profissional, basta uma coisinha muito simples: fugir do óbvio. Falar o que todos estão carecas (inclusive Marcus Valério) de saber é uma bobagem sem tamanho, é preciso dizer aquilo que poucos tiveram a capacidade de ver, de averiguar. Olhar o óbvio por outro prisma. Poucos fazem isso. (Volto a citar o exemplo do Janer Cristaldo, que tem o condão de analisar os fatos sob outro ângulo . Seus textos podem até comentar o último escândalo, mas ainda assim são surpreendentes, pois levam o leitor a ver um lado da história que não foi explorado. É um jornalista que não assassina a Língua e consegue passar (muito bem) o recado.)

Chega por hoje. Até a próxima!!!



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