Júlia Lopes de Almeida

Apesar da imensa preguiça que me assola, não pude deixar de postar sobre o momento pra lá de magnífico que a TV Cultura me trouxe dias atrás. Estava zapeando e vi a introdução sobre Júlia Lopes de Almeida, uma escritora nascida no Rio de Janeiro em 1862. Até aí, nada de anormal, mas eis que surge ninguém mais, ninguém menos, que Beatriz Segall para ler um dos contos da autora. O conto em si já é ótimo, mas o tom empregado pela atriz deu um plus.

Quando pequena, ninguém nunca me contou ou leu histórias para dormir (também não me compravam livros, deve ser por isso que li inúmeras vezes "Os contos de Grimm", adquirido em prol do meu irmão - coisa de colégio, e "Os Contos de Andersen" - emprestado.). Mas, como a vida é sábia, tive Beatriz Segall lendo "O sino de ouro". Além de uma história magnífica, Beatriz apresentou-me uma autora fantástica (pena que deve ser um tanto complicado adquirir as obras de Júlia, pois ela não consta no tal "cânone literário"). Só que nada me impede de tentar (lá vou eu percorrer, novamente, os sebos do Rio de Janeiro, assim que for possível).

Até a próxima!!!

Ps.: Em tempo, "A pequena sereia" foi modificada pelos estúdios Disney quando da elaboração do desenho. Digamos que a moçoila não fica com o príncipe, não há "e eles viveram felizes para sempre". Sim, os irmãos Andersen tinham um que de sádicos!!!

Ps2: Aí vai "O Sino de Ouro"

“O sino de ouro

(Júlia Lopes de Almeida)


Maria Matilde tinha um sonho
Fazer construir rente a Baía de São Marcos
Na sua linda cidade de São Luiz do Maranhão
Uma torre muito alta, muito alta...
Encimada por um enorme sino de ouro
Com os nomes de todos os estados do Brasil
Formada com pedras preciosas...
Quando o sino badalasse revoariam na atmosfera
Duas sonoridades acompanhada pelo ritmo das ondas
Quando os astros o iluminassem
Rutilaria no espaço esplendidamente,
Mas a velha louca parecida não ter um vintém de seu
Morava num casebre em ruínas...
Vestia-se de trapos imundos
Comia só raízes e ervas do mato
E bebia água nas conchas das mãos encarquilhadas e ossudas
Ninguém sabia, mas seu colchão já estava tão cheio de moedas
Que lhe magoava o corpo miserável
A ponto de ela preferir estender-se no chão duro
Sobre uma esteira esgarçada
Lá tinha sua idéia fixa e para realizá-la seria preciso uma fortuna
A sua torre, cravejada de pedras preciosas, maravilharia o mundo inteiro...

Em casa ou na rua, a visionária falava só gesticulando
E movendo no ar os dedos nodosos de unhas grandes...
As crianças fugiam atropeladamente ao ver-lhe de longe
AHHHHHHHHI (grito das crianças) O busto esguio!!!
E os adultos, afastavam-se daquela imundície e ela passava sem ver ninguém, resmungando
“Quando o sino de ouro fizer, BABALAUMMM
BABALAAÔ
BABALAAMMMMM
Todo mundo dirá que é o coração do Brasil que está batendo
Que lindo é
E como bate bem”
E ela ria-se
Ao repetir pelas ruas sossegada
“O coração do Brasil está parado
Eu quero fazê-lo palpitar com força
Assim: BABALAAUMMM
BABALAAUMMM, BABALAAUMMM
TANNNTAMMMM”


Numa noite de chuvas e de relâmpagos
Maria Matilde chegou encharcada e tremendo com frio da febre à sua choça...
Mas, logo ao entrar, esbarrou com uma pobre rapariga da vizinhança, que se ajoelhou chorando aos seus pés...
Qual não foi o seu espanto, se ninguém a procurava nunca!
Uns tinham medo da tua morada de louca
Supunham-na outros bruxa, feiticeira ou o diabo em pessoa.
Ela parou no umbral estarrecida e a outra exclamou de mãos postas: “Maria Matilde, tem dó de mim, minha madrasta, aquela má mulher, expulsou-me de casa e a meus irmãozinhos que foram mendigar por essas ruas, quase nus. É por isso que eu choro...
Dá-me um filtro Maria Matilde, para abrandar o coração da minha madrasta. E fazei com que meu pai abra sua porta aos filhos pequeninos...que são inocente e estão passando fome, sofrendo frio, com medo do escuro, por essas praias. Se for preciso meu sangue, para salvar os anjinhos, toma-o, abram a minhas veias e aqui tens o meu corpo.”

A moça desnudava-se, oferecendo os pulsos e o colo suplicentemente.
Maria Matilde, de olhos arregalados, dobrou-se toda sobre a linda cabeça da moça, dizendo:
- Ei, darás a vida para teus irmãos?
- Darei a Vida!
- Jura?
- Juro! Dizem que és feiticeira! Mas o que tu és é surda! Mata-me, Maria Matilde, Se for preciso a minha morte para salvar os anjinhos...


A velha considerou a rapariga com espanto e depois correu rapidamente ao catre, sumiu as mãos trigueiras nos rasgões da enxerga e tirou punhados de moedas, vertiginosamente e trouxe para o regaço da moça estupefata.

“Teus irmãos estão nus? Vá comprar agasalhos para eles...

Tem fome?... Dá-lhes pão muito pão.

Toma! toma, toma, toma!!!”

Perdendo a paciência.

“Vá para junto deles boa irmã. Vá com Deus.”
A moça aparava as moedas inesperadas, num delírio de felicidade.
A velha deu-lhe tudo, TUDO. E depois, empurrou-a, violentamente pela porta afora, fechou-se por dentro e desatou a chorar.


E agora, como haveria ela de comprar o seu Sino de Ouro. E construir sua torre, cravejada de pedras preciosas, teria de recomeçar pelo primeiro vintém?

Ah, mas as costas doía-lhe tanto! A cabeça estalava-lhe. Era febre.

Maria Matilde debateu-se toda a santa noite, com os lábios secos, os olhos em fogo, as roupas ainda alagada da chuva, unida aos membros doloridos e o que a fazia tremer eram aquelas cobrinhas de gelo, que andavam a passear pela sua espinha.

Ah, mas ao menos nesta noite, ela poderia dormir sobre o teu colchão... pela madrugada serenou, e rompia a manhã gloriosa, quando ela ouviu a voz dulcíssima de um anjo, que lhe dizia: “Construíste esta noite a tua torre e por ela, subirás ao céu...”
Maria Matilde correu ansiosa para a praia. Aconchegou aos rins um molambo de saia e aos ombros o farrapo de um xale. A cidade dormia ainda, só os passarinhos se despertavam cantando.

No lar do mar azul, o sol nascente espalhava colunas de ouro tão largas e tão longas, que ninguém poderia calcular as dimensões.

Nuvens de ametista, de ouro e de rubi se engrinaldavam no horizonte. Era a pedraria do Sino de Ouro que reluzia. Sumindo nela os olhos felizes e fascinados, Maria Matilde sacudia os longos braços magros a gritar vitoriosa: BABALAAUMMMM, BABALAAUMMMM
BABALAAUMMMM BABALAAUMMMM, TATMMMM DADAMMMM DADAMMMM....DADAUMMM


E quando a miragem do Sol se desfez, já a louca tinha subido pela torre de ouro até ao céu.”

Comentários

  1. Não se esqueça que SP também tem bons sebos...

    Beijão!!!


    Luciene

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  2. Oi, Luciene!!!

    Bem lembrado, mas não estou muito esperançosa em encontrar obras dessa autora :o(. A mulher é do século retrasado e não consta em nenhum cânone (na faculdade, estudamos até Sousândrade - escritor maranhense que torrou toda a sua herança na esbórnia - mas nunca ouvimos falar em Júlia Lopes de Almeida). Ah, mas que eu vou tentar, isso vou!!! (contando, claro, com o seu valioso help!!!)

    Bjus!!!

    Andrea

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  4. alguns livros estão na web...
    http://www.biblio.com.br/Templates/JuliaLopesdeAlmeida/molduraobras.htm

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  5. Nunca Estarei Só (Poema Querendo Ser Letra de Blues)

    “Escrever é preciso
    Viver não é preciso”


    Apesar de às vezes me sentir numa caverna do cosmos
    Com o peito entrevado por causa das amarguras da vida
    Nunca estarei só pois minha alma ainda habita a poesia
    E de lá trago celestidades que alimentam meu ser carente.

    Quando eu quero respirar música na minha alma nau
    (Tempos de solidão e de tristeza que não são desse mundo)
    Então eu leio um poema ou escrevo uma letra para blues
    E coloco para fora do espírito todas as teias de sofrimento.

    É como compor um blues quando se pensa em se matar
    Porque a arte é uma libertação, e escrever algum poema
    Deixa o rastro de nossa existência com toda sensibilidade
    Na tábua de carne da terra ainda precisando de muita luz.

    Nunca estarei só pois os poemas me fazem companhia
    Habito um espaço letral que me refrigera e me revigora

    Meu reino não é desse mundo. Como um poeta lusonauta
    Vou compondo a minha página de rosto na sobrevivência.

    -0-

    Silas Correa Leite, Itararé, Cidade Poema
    E-mail: poesilas@terra.combr
    Blogues: www.portas-lapsos.zip.net
    Ou: www.campodetrigocomcorvos.zip.net
    Poema da Série “Éramos Blues”

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  6. Que lembrança maravilhosa me trouxe "O SINO DE OURO", ...vejo-me em pensamento, sentado na minha carteira escolar do primário ouvindo o meu Professor Dr.Francisco de Assis Pinheiro lendo com tal enfâse que toda a classe ouvia silenciosamente..e me sentia embalado pelo BABALAAUMMMM, BABALAAUMMMM
    BABALAAUMMMM BABALAAUMMMM, TATMMMM DADAMMMM DADAMMMM....DADAUMMM.. Até hoje, idos 50 anos ainda o ouço murmurando
    BABALAAUMMMM, BABALAAUMMMM
    BABALAAUMMMM BABALAAUMMMM, TATMMMM DADAMMMM DADAMMMM....DADAUMMM

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  7. Que lembrança maravilhosa me trouxe "O SINO DE OURO", ...vejo-me em pensamento, sentado na minha carteira escolar do primário ouvindo o meu Professor Dr.Francisco de Assis Pinheiro lendo com tal enfâse que toda a classe ouvia silenciosamente..e me sentia embalado pelo BABALAAUMMMM, BABALAAUMMMM
    BABALAAUMMMM BABALAAUMMMM, TATMMMM DADAMMMM DADAMMMM....DADAUMMM.. Até hoje, idos 50 anos ainda o ouço murmurando
    BABALAAUMMMM, BABALAAUMMMM
    BABALAAUMMMM BABALAAUMMMM, TATMMMM DADAMMMM DADAMMMM....DADAUMMM

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    Respostas
    1. Que maravilha saber que o texto te trouxe lembranças tão caras. Alegrou o meu dia. Muito obrigada!!!

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    2. Que maravilha saber que o texto te trouxe lembranças tão caras. Alegrou o meu dia. Muito obrigada!!!

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  8. BOM DIA
    ESSE TEXTO EU TINHA NO MEU LIVRO DO TERCEIRO ANO PRIMARIO NO GINASIO SÃO LUIZ GONZAGA EM PARNAIBA POIAUI QUANDO A MINHA PROFESSORA DONA DENILDE FEZ A LEITURA E PEDIU PRA OS ALUNOS FAZER UMA INTERPRETAÇÃO DO TEXTO
    NUNCA ME ESQUECI
    E PROCUREI MEU LIVRO E NUNCA ENCONTREI
    AO LER ME EMOCIANO COMO DA PRIMEIRA VEZ E REPASSO AQUELE FILME NA MINHA MEMORIA
    ESSAS RECORDAÇÕES ME LEVAM A MINHA INFANCIA FELIZ LA NO PIAUI
    VALEU

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  9. Puxa, que alegria ter trazido tão boas lembranças a você!!!
    Felicidade!!!

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  10. Li este conto
    num daqueles "livros de leitura" que se usava no ensino primário nos anos 50. Não me lembro a série mas seguramente procurei este texto por mais de sessenta anos. Matei as saudades dele. Me emocionou profundamente na infância e me emociona agora!

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